A desproporção temporal entre as postagens e o acontecimento real dos
fatos parece estar se tornando a tônica deste espaço. E este fato é esperado,
pois como diz o título, o internato começou de verdade. Apesar da escassez de
tempo, há novidades reservadas aos leitores. Espero que apreciem a leitura.
A segunda semana de internato foi incrivelmente mais interessante que a
anterior, e com certeza entra para o hall das melhores semanas deste ano, quiçá
de todo o internato. Começando no domingo a 12/01/2014, plantão de 6 horas no
politrauma do hospital Regional com início às 18:00. O primeiro plantão
oficial, tendo sido realizado junto ao meu parceiro de plantões, James Otieno.
Primeiro fomos ao centro cirúrgico para colocar as roupas da cirúrgica. O verde da esperança de salvar vidas, sendo
o mesmo verde que mantém a visão humana dentro da lucidez perante os tons de
vermelho em cirurgias. Neste ínterim, discutíamos sobre como seria este começo
de rotina de plantões. Concluímos que seria esperado e ideal que pudéssemos
antes conhecer a equipe e o serviço antes de começar, além é claro, de
clarificar qual seria nossa função e o que seria exigível de nós. Fato é que
isto não ocorreu, consonante com o que antecipamos.
O plantão começa sem muita cerimônia, há que se chegar ali como se o
conhecêssemos há tempos. Senti-me confortável pois no fim do ano passado e ao
início da primeira semana de internato pude interar-me de boa parte do serviço.
Foi, portanto, um início tranquilo. Aplicação do ABCDE do ATLS a cada caso
trazido. Anamnese sucinta, triagem simples. Indagamos circunstâncias
importantes da ocorrência, para definir cinemática do trauma, déficit
neurológico, entre outros.
Ao atender, pensamos em um longo e único período: “Vias aéreas pérvias,
colar cervical, prancha rígida, frequência respiratória = 18, murmúrio
vesicular presente bilateralmente sem ruídos adventícios, frequência cardíaca =
80, pressão arterial = 122x84 mmHg, bulhas rítmicas normofonéticas a 2 tempos
sem sopros, Glasgow 15, pupilas isofotorreagentes, abdome plano, flácido,
indolor à palpação e sem dor à descompressão brusca, sem deformidades e
fraturas em membros superiores e inferiores”. Sempre traduzindo para: “A) VAP, CC, PR; B)
FR=18, MV + SRA; C) FC = 80, PA 122x84mmHg, BRNF2TSS; D) Glasgow 15, PIFR; E)
abdome plano, flácido, indolor à palpação e DB - , s/ deformidades e fraturas
em MMSS e MMII”. Telegráfico. Avaliação radiológica, “Rx trauma”. Reavaliação
repetindo ABCDE. E se Deus quiser, alta da cirurgia geral e avaliação da
ortopedia, em cenários otimistas. Próximo.
Este plantão transcorreu de uma forma tranquila, sem comorbidades tão significantes como por exemplo uma parada cardiorrespiratória. Apenas gostaria de salientar que embora haja uma inclinação acadêmica, os plantões no politrauma envolvem um certo aprendizado por pressão. É evidente que em nenhum momento as maiores responsabilidades caem sobre os internatos, porém o interno é em geral deixado à própria sorte, e depende dos residentes para aprender algo no início – estes, embora tenham boa vontade, raramente são permitidos a explicar as coisas para os internos, devido à demanda de serviço. Isto é algo que deveria ser repensado nos plantões, pois o aprendizado depende muito do interesse dos alunos – gerando a partir daí uma discrepância desinteressante entre os acadêmicos. Minha opinião, apenas.
Os próximos dias envolveram a
audiência a cirurgias ortopédicas no centro cirúrgico do hospital Santa Lucinda
no período matutino e ambulatório de ortopedia no período da tarde.
Quinta-feira (16/01) abrigou novo
plantão noturno, até 00:00 somente. Foi um plantão mais tranquilo que o
anterior e não trouxe nada de novo em relação a antes.
Quase ao final da semana, no sábado dia 18, plantão diurno de 12 horas
com início às 07:00, mais uma vez no politrauma do hospital Regional. Até o momento, o melhor dos plantões de que
pude participar este ano, embora tenha a princípio foi bastante parado. Aliás,
das 07:00 até as 13:00 não chegou nenhuma ocorrência. A única coisa que fiz
nesse espaço de tempo foi uma sutura em região parieto-occipital em um paciente
que iria para a neuro. Fora isso, fiz meus resumos de ortopedia enquanto ficava
em prontidão para quando algo acontecesse. A partir de 13:15, porém, o dia
mudou. As ocorrências consistiram sempre em pacientes com traumas de
escoriações, ou seja, nada de vítimas fatais. Essas ocorrências que não são tão
graves e que têm bom prognóstico –
embora também inspirem cuidados – são referidas em nosso meio pela gíria “polirralados”.
Não é algo que deva ser empregado em meios formais e nem na frente dos
pacientes, porém transmite bem a ideia que expliquei aos senhores. Não há
conotação ofensiva no uso deste neologismo, porém ainda assim é prudente não
usá-lo indevidamente.
Pratiquei bastante sutura e bastante paciência, pois os pacientes em sua
maioria chegavam embriagados. Tratando-se de um sábado depois do horário de
almoço, é fácil portanto entender o padrão das ocorrências. Foi uma tarde cheia
e ainda deu tempo de instrumentar uma cirurgia. Foi uma laparotomia em um caso
de abdome agudo causado por pneumoperitônio – para quem não é do meio médico,
trata-se do acúmulo de ar no peritônio (uma membrana que reveste internamente a
cavidade abdominal) – que por sua vez foi devido à ruptura de uma úlcera
duodenal. Foi a primeira vez que instrumentei uma cirurgia. Algo muito simples,
mas que por ser a primeira vez, agora já tem um lugar especial em minha memória
de médico hoje e sempre. Fui sair do hospital apenas às 20:30, bem atrasado e cansado,
mas com a mente leve. Chegando em casa, fiz ainda algumas tarefas domésticas e
logo em seguida, cama.